Angra Jazz 2019
(Textos de Paulo Barbosa e Leonel Santos)
Leonel Santos Três concertos fizeram da edição 2019 do Angra Jazz um festival memorável, mas aos meus ouvidos e olhos o momento mais alto aconteceu na apresentação do Axes de João Mortágua. João Mortágua «Axes» Miguel Zenón «Sonero: The Musico of Ismael Rivera» Frank Kimbrough, «Monk's Dreams: The Complete Compositions of Thelonious Sphere Monk» Orquestra AngraJazz com Carlos Azevedo The Alan Harris Band Émile Parisien “Sfumato” Quintet Jazz na Rua (JazzLogical esteve no XX AngraJazz a convite do festival)
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Paulo Barbosa Decorreu entre os dias 3 e 5 de outubro a 21ª edição do festival Angrajazz. A Orquestra Angrajazz abriu, como de costume, a série de seis concertos no palco principal do festival, no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo. A orquestra é uma aposta forte da Associação Angrajazz, que a criou e tem mantido desde 2002 e que produziu e organizou as vinte e uma edições com que conta o festival. O concerto seguinte, pelo grupo do saxofonista soprano Émile Parisien, teve os seus altos e os seus baixos. Parte da música ali tocada ilustra muito bem algumas das encruzilhadas maiores a que, de forma muito genérica, mas com as devidas exceções, o jazz europeu se tem vindo a condenar. Falo de longos rubatos, onde a energia e a excitação rítmica que caracteriza muito do melhor jazz são, obviamente, postas de lado. Quando a componente rítmica é valorizada, queixo-me frequentemente da circularidade mediterrânica, tantas vezes desprovida de swing ou mesmo de qualquer tipo de sincopação, o que se aplica particularmente ao pianista desta formação – a surpresa rítmica é, desde sempre, um dos mais entusiasmantes ingredientes desta música a que chamamos jazz, pelo que a sua desvalorização invariavelmente me deixa com uma indesejável sensação de desperdício. João Mortágua, com um grupo constituído por quatro saxofonistas e dois bateristas, abriu a segunda noite do festival com um concerto que pode, pelo menos no seu início, não ter sido muito fácil para alguns ouvidos, mas que manteve, do princípio ao fim, uma impressionante qualidade musical. O facto é que toda a plateia acabou por se render à originalidade da constituição instrumental do grupo e da música de Mortágua, que, enquanto saxofonista – aqui principalmente no soprano –, aproveitou por nos lembrar de uma série de motivos pelos quais é hoje, inquestionavelmente, um dos mais brilhantes improvisadores do nosso jazz. Para além do líder, o outro músico que se destacou enquanto solista, com um som impetuoso e um notável cuidado na construção de cada uma das suas improvisações, foi o saxofonista alto José Soares, um jovem ao qual se tem tornado cada vez mais inevitável dedicar séria atenção – trata-se de um músico que irá, seguramente, agitar o jazz nacional nos tempos que aí vêm. Seguiu-se o quarteto de Frank Kimbrough, com um concerto que constituiu uma espécie de “best of” ao vivo da mais recente edição discográfica do pianista. O concerto do cantor Alan Harris trouxe-me à mente, por várias vezes, uma frase inscrita numa das t-shirts do Angrajazz: “Jazz is not a what; it is a how” (Bill Evans). E passo a explicar: o repertório apresentado por Harris – o que o cantor cantou e a sua banda tocou (o “what”) primou pela qualidade; o problema foi o “how”, ou a forma de o cantar e de o tocar. Com uma projeção, uma tessitura e uma extensão vocais extremamente reduzidas, nada ajudadas por um timbre açucarado e um controlo da respiração que deixa muito a desejar, todos os temas foram alvo do mesmo tipo de tratamento, instalando-se a monotonia dentro de cada interpretação e ao longo de todo o concerto, com cada tema a ser cantado da mesma forma que o anterior. A banda cumpriu (particularmente o contrabaixista), mas nunca chegou a agradar (principalmente a pianista) – por tudo o que acima disse, de estranhar seria que Harris conseguisse ter consigo uma banda de alto nível. E, como se tudo isto não tivesse bastado, o concerto alongou-se por cerca de duas horas, uma eternidade para quem, como eu, impacientemente desejava que chegasse a hora da subida ao palco do mais aguardado grupo nesta edição do festival. Dificilmente o chavão de “fechar com chave de ouro” se poderia aplicar tão bem como a esta edição do Angrajazz. O saxofonista Miguel Zénon e o seu quarteto, com Luis Perdomo ao piano, Hans Glawischnig no contrabaixo e Henri Cole na bateria, ofereceram-nos um concerto de cortar a respiração. Música verdadeira, sentida, tocada do coração, por quatro músicos dotados de qualidades técnicas e interpretativas verdadeiramente extraordinárias. Quatro músicos que sabem tocar em (qualquer) grupo, mas que tocam ainda melhor neste quarteto, uma formação na qual os todos se (inter)ouvem profundamente, reagem imediatamente e, claramente, sentem um enorme prazer em tocar uns com os outros e na forma como o fazem. Aproveitaram para apresentar em Angra a música do álbum “Sonero”, que era já um dos meus discos favoritos de 2019, mas, como seria de esperar de um quarteto deste calibre, a música soou ainda melhor em concerto. É difícil destacar um músico quando a união musical é tão grande, mas arriscaria dizer que Luis Perdomo, que Zenón parecia particularmente interessado em deixar brilhar, foi “o músico do festival”. (Paulo Barbosa esteve no Angra Jazz a convite do festival) |
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Setembro | Angra do Heroísmo | ||||
Sex 27 | Verde Maçã Café | 18.00 | Jazz na Rua | Wave Jazz Ensemble | Antonella Barletta (p), Rui Melo (st), Paulo Borges (t), Antero Ávila (b), Nuno Pinheiro (bat) |
Sáb 28 | Hotel do Caracol | 21.30 | Jazz na Rua | Sónia Pereira Trio | Sónia Pereira (voz), Antonella Barletta (p), Roberto Rosa (t) |
Dom 29 | QB Food Court | 18.00 | Jazz na Rua | Wave Jazz Ensemble | Antonella Barletta (p), Rui Melo (st), Paulo Borges (t), Antero Ávila (b), Nuno Pinheiro (bat) |
Seg 30 |
Pousada do Castelinho | 18.00 | Jazz na Rua | Sónia Pereira Trio | Sónia Pereira (voz), Antonella Barletta (p), Roberto Rosa (t) |
Outubro | Angra do Heroísmo | ||||
Ter 1 | Café Aliança | 18.00 | Jazz na Rua | Wave Jazz Ensemble | Antonella Barletta (p), Rui Melo (st), Paulo Borges (t), Antero Ávila (b), Nuno Pinheiro (bat) |
Qua 2 | Blues Bar | 22.30 | Jazz na Rua | jam session João Mortágua Quarteto |
João Mortágua (ss, sa), José Soares (sa), Diogo Diniz (ctb), Pedro Vasconcelos (bat) e outros |
Qui 3 |
Escola EBS e Ensino Artístico Tomás Borba | 11.00 | Jazz na Rua | João Mortágua Quarteto (Acção de divulgação para alunos) |
João Mortágua (ss, sa), José Soares (sa), Diogo Diniz (ctb), Pedro Vasconcelos (bat) |
Alto da Sé | 18.00 | Jazz na Rua | João Mortágua Quarteto | João Mortágua (ss, sa), José Soares (sa), Diogo Diniz (ctb), Pedro Vasconcelos (bat) | |
Centro Cultural e de Congressos | 21.30 | Orquestra Angrajazz |
Pedro Moreira (dir), Claus Nymark (dir), Carlos Azevedo (p), Davide Corvelo (sa), Filipe Gil (sa), Rui Borba (sa), Rui Melo (st), Mauro Lourenço (st), José P. Pires (sb), Paulo Borges (t), Bráulio Brito (t), Roberto Rosa (t), Sérgio Cabral (t), Rodrigo Lucas (trb), Mário Melo (trb), Manuel Almeida (trb), Edgar Marques (trom), Gonçalo Ormonde (trom), Antonella Barletta (p), Nivaldo Sousa (g), Paulo Cunha (ctb), Nuno Pinheiro (bat) | ||
Emile Parisien Sfumato Quintet | Emile Parisien (ss, st), Roberto Negro (p), Manu Codjia (g), Simon Tailleu (ctb), Mário Costa (bat) + Michel Portal (clab) | ||||
Sex 4 |
Biblioteca Pública Luís da Silva Ribeiro | 11.00 | Jazz na Rua | João Mortágua Quarteto |
João Mortágua (ss, sa), José Soares (sa), Diogo Diniz (ctb), Pedro Vasconcelos (bat) |
Biblioteca Pública Luís da Silva Ribeiro | 18.00 | Jazz na Rua | Sónia Pereira Trio | Sónia Pereira (voz), Antonella Barletta (p), Roberto Rosa (t) | |
Centro Cultural e de Congressos | 21.30 | João Mortágua AXES | João Mortágua (ss, sa), José Soares (sa), Hugo Ciríaco (st), Rui Teixeira (sb), Alex Lázaro (bat, per), Pedro Vasconcelos (bat, per) | ||
Frank Kimbrough Quartet plays Monk |
Frank Kimbrough (p), Scott Robinson (s), Rufus Reid (ctb), Billy Drummond (bat) | ||||
Sáb 5 |
Teatro Angrense | 14.30 | Jazz na Rua | João Mortágua Quarteto (Acção de Formação Filarmónicas) |
João Mortágua (ss, sa), José Soares (sa), Diogo Diniz (ctb), Pedro Vasconcelos (bat) |
Expert | 18.00 | Jazz na Rua | João Mortágua Quarteto | João Mortágua (ss, sa), José Soares (sa), Diogo Diniz (ctb), Pedro Vasconcelos (bat) | |
Centro Cultural e de Congressos | 21.30 | The Allan Harris Band | Allan Harris (voz), Arcoiris Sandoval (p), Nimrod Speaks (ctb), Shirazette Tinnin (bat) | ||
Miguel Zénon Quartet | Miguel Zénon (s), Luis Perdomo (p), Hans Glawischnig (ctb), Henry Cole (bat) |
Antecipação do Angra Jazz 2019
O que faz a diferença no Angra Jazz é que apesar das adversidades, desde logo a insularidade, ele mantenha um nível de que poucos festivais em Portugal se podem gabar. E até passada a fasquia dos vinte anos poderia admitir-se que a edição de 2019 não fosse tão exigente. Mas dos seis concertos previstos, pouco poderá apontar-se à programação.
Fiel a um modelo testado, o festival conta com dois grupos nacionais e quatro internacionais, entre os quais um concerto vocal, concessão a um público mais alargado.
Entre os dois grupos nacionais, o festival conta com a Orquestra AngraJazz, uma orquestra local, promovida e desde a primeira hora acarinhada pela Associação AngraJazz que programa o festival. Não tem sido fácil manter uma orquestra numa ilha onde quase não é possível ouvir Jazz (ao vivo) com regularidade e onde os músicos pouco contactam com outros músicos, levando-a a recorrer amiúde a um repertório clássico. A novidade deste ano é o convite a Carlos Azevedo, que partilhará com Pedro Moreira e Claus Nymark a direcção da orquestra, e que lhe oferecerá o grosso do repertório a apresentar, para além de outros compositores como Mário Laginha ou Carlos Bica. Pianista, professor e um dos líderes da Orquestra Jazz de Matosinhos, o desafio é grande para Carlos Azevedo e a orquestra. Como sempre a Orquestra AngraJazz terá honras de abertura do festival.
O outro grupo português é o Axes de João Mortágua, um grupo que fez o que foi votado pela crítica nacional o melhor disco de 2017, precisamente «Axes». Axes é uma associação singular de quatro saxofones e duas baterias, que ameaça incendiar a plateia (e o balcão) do Centro de Congressos. A direcção é de Mortágua e o Axes abre o segundo dia do festival.
A «concessão» de 2019 tem o nome de Allan Harris e a sua The Allan Harris Band. Um barítono com voz de veludo, experiente nos standards e na tradição vocal Jazz. Nascido no Harlem (New York) Harris é um cantor ecléctico que mescla Jazz e rock e pop e blues, numa forma que mergulha no smooth jazz sem preconceito e faz o encanto de muito público. Toca à frente de um trio de piano clássico e talvez toque guitarra também e abre o último dia do festival. A ouvir vamos.
Logo no primeiro dia, a seguir à Orquestra Angra Jazz, toca o premiado Sfumato Quintet de Émile Parisien (disco do ano 2016 em França, entre outros), um grupo que conta entre os seus membros com o baterista português Mário Costa e a lenda do Jazz europeu Michel Portal em clarinete baixo. Embora o Parisien tenha tocado em Portugal em diversos contextos, este arrebatado Sfumato promete um grande concerto e vai apresentar-se pela primeira vez ao público nacional.
A fechar a noite de sexta-feira, outro grande músico, Frank Kimbrough, bem conhecido dos aficionados do Jazz nacional. Kimbrough é o pianista da orquestra de Maria Schneider, é um dos líderes do Herbie Nichols Project que também tocou em Portugal por (pelo menos, que me recorde) três vezes, e em Portugal tocou em diversas formações e contextos. Kimbrough é um verdadeiro erudito, um investigador e um pianista de uma sensibilidade e proficiência extraordinárias. Profundo conhecedor da música de Thelonious Monk, fez em 2019 um triplo álbum onde interpreta todas as composições de Monk, e será este o projecto que irá apresentar à frente do seu quarteto em Angra do Heroísmo, também em absoluta estreia nacional.
E finalmente, a encerrar o Angra Jazz 2019, outro grande músico, o impetuoso Miguel Zenón. Nascido Porto Rico, Miguel Zenón começou por estudar música clássica, tendo-se muito jovem apaixonado pela música de Charlie Parker. O seu percurso é bastante curioso. Os primeiros discos poderiam incluir-se no que se vulgarmente se designa de neo-bop, mas ele descobriu a música de Porto Rico, tendo progressivamente incluído elementos da música popular da sua terra natal, sem que se tenha afastado do Jazz. Músico vertiginoso, muito criativo, ele é uma verdadeira fera, insuperável no seu instrumento.
Miguel Zenón tem tocado em Portugal à frente dos seus grupos ou incluído noutros (e toca no mais recente disco de César Cardoso) e já tardava em Angra do Heroísmo.
Zenón vem a Angra com um disco novo na bagagem, «Sonero: The Music of Ismael Rivera» (dedicado ao famoso cantor portoriquenho Ismael Rivera), provável alinhamento do concerto (até porque a formação do disco é a mesma que se apresentará em Angra).
Antecipando o festival vários grupos têm tocado em várias salas da cidade (Angra Jazz/ Jazz na Rua), o que deverá acontecer até ao fim do festival: os Wave Jazz Ensemble, Sónia Pereira Trio e ainda o João Mortágua Quarteto, em concertos, sessões de formação e uma jam session.
Setembro de 2019